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Síria coloca credibilidade da ONU à prova

O Conselho de Segurança vota um cessar-fogo na Síria por unanimidade, mas nada muda. Pior ainda, o regime sírio, apoiado pela Rússia, acelera a recuperação territorial com ofensivas violentas. Qual seria o objetivo da ONU?
Para vários membros do Conselho de Segurança, especialistas e integrantes de ONGs questionados pela AFP, há a mesma constatação: impotência, ou inclusive, para alguns, perda de credibilidade da organização que deveria garantir a paz no mundo.
Temos que fazer com que a tragédia síria não seja, também, o túmulo das Nações Unidas: com esta frase chocante, o embaixador francês na ONU, François Delattre, quis despertar a consciência dos outros membros.
No entanto, sua preocupação com o futuro do organismo não parece ser compartilhada.
Para o embaixador adjunto britânico, Jonathan Allen, o Conselho de Segurança falhou com o povo sírio devido à oposição da Rússia. Mas a Síria não significa o fim deste organismo, declarou, acrescentando que sua ação continuará para salvar vidas e tentando impedir as atrocidades.
Apesar de sua insistência humanitária, apenas dois comboios das Nações Unidas foram autorizados por Damasco desde o início de 2018 a chegar às áreas sitiadas, disse na quarta-feira um funcionário da ONU.
Ele estava falando em uma reunião urgente do Conselho de Segurança, que não resultou em nenhuma iniciativa nova e forte para mudar a situação.
– Bombas sobre Damasco –
Isso não é o que fazemos na ONU, afirmou um diplomata sob condição de anonimato, lembrando que o consenso ou a divisão são decididos principalmente pelas capitais dos países-membros. A mudança de jogo na Síria seria se Emmanuel Macron ou Donald Trump bombardeassem Damasco, acrescenta.
A integrante do Instituto Internacional para a Paz (IPI), com sede em Nova York, Alexandra Novosseloff compartilha de uma ideia sobre o tema. Segundo ela, a ONU é somente um instrumento nas mãos de seus Estados-membros e não apenas o Conselho de Segurança, mas também um sistema completo e agências de campo que tentam fornecer ajuda humanitária quando podem ter acesso às populações.
Então, temos que culpar os Estados-membros, alguns Estados, não a ONU em seu conjunto.
Um ponto de vista que é apoiado por Richard Gowan, do Conselho Europeu de Relações Exteriores.
É injusto culpar a ONU em seu conjunto pelo fracasso do Conselho de Segurança. Muitos funcionários da ONU, de fato, muitos diplomatas do Conselho, apelaram para sua determinação a fim de tentar acabar com a guerra, sentenciou.
Desde o chamado a uma trégua, o Conselho de Segurança esteve realizando reuniões. Após as duas primeiras, ao menos quatro sessões adicionais sobre o tema estão programadas para março, incluindo uma na próxima segunda-feira com o secretário-geral da ONU, o português António Guterres, bastante discreto na crise síria.
Se o Conselho de Segurança não se reunir e não nos esforçarmos para cumprir a resolução, que exige um cessar fogo, irão nos perguntar o que fazemos, disse um diplomata. Essas reuniões estão destinadas a pressionar Moscou.
– Resto de credibilidade –
Desde o início da guerra, em 2011, o Conselho de Segurança não tem muita credibilidade sobre a Síria, resume Louis Charbonneau, da ONG Human Rights Watch. E também tem sua própria previsão: se o Conselho não aplicar suas próprias resoluções (…), perderá o pouco de credibilidade que lhe resta.
Para os Estados Unidos, a responsabilidade recai sobre a Rússia, que não exerce pressão suficiente sobre o seu aliado, o regime sírio, e continua realizando ataques aéreos em Ghuta com sua própria aviação.
A Rússia rejeitou várias vezes a aprovação da resolução sobre a trégua e sua relutância em votar agora tem uma explicação: não tinha intenção de aplicá-la, declarou à AFP um funcionário americano de alto escalão sob condição de anonimato.
Não foi possível obter comentários dos diplomatas russos. Nos últimos meses, Moscou tem se comprometido reiteradamente a deter os combates na Síria, dizendo a seus sócios que eles não podem impor todos os seus pontos de vista sobre Damasco.
A realidade é que a Rússia usou o Conselho como um meio para complicar e frear os esforços de paz na Síria, opinou Gowan, do Conselho Europeu. E os Estados Unidos e seus aliados são, até certo ponto, cúmplices, ressaltou.