MP investiga desvio de doações às vítimas do RS em troca de votos

Desde a segunda quinzena de maio, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Rio Grande do Sul (Gaeco/MPRS) realizou diversas operações integradas, algumas em colaboração com a Polícia Civil do estado, que visaram pelo menos 12 indivíduos investigados por supostos esquemas de desvio de doações que deveriam ser destinadas às vítimas das chuvas históricas. Promotores e policiais descobriram indícios que apontam para o envolvimento de ao menos seis políticos e pré-candidatos às próximas eleições municipais. Centenas de donativos, que estavam sendo usados como moeda de troca por votos, foram apreendidos em quatro cidades.

Até o último dia 5 de junho, a Defesa Civil do Rio Grande do Sul contabilizava mais de 3,7 milhões de itens doados, entre garrafas de água, alimentos, cestas básicas, colchões e cobertores, material de higiene etc. Eldorado do Sul, uma das cidades mais afetadas pela tragédia e onde há suspeitas de desvios, só não recebeu mais donativos que Porto Alegre. O estado já arrecadou, até o momento, R$ 121,5 milhões através do Pix.

Três pré-candidatos investigados

Em uma semana, entre os dias 4 e 8 de junho, o Gaeco e a Polícia Civil realizaram duas operações, denominadas Desvio 1 e 2, que ocorreram em função das investigações sobre possíveis esquemas de descaminho de donativos em Palmares do Sul. O vereador Filipe Lang (PT-RS), pré-candidato à prefeitura do município, Polon Backes de Oliveira (União Brasil-RS), pré-candidato a vice na chapa de Lang, e Manoel Antunes Neto (PL-RS)

Além de políticos, o secretário municipal de Administração da cidade, a esposa de um dos vereadores e um parente dele também estão sendo investigados. Os promotores Mauro Rockenbach e Leonardo Rossi afirmam que os donativos não teriam sido oficialmente anunciados pela prefeitura.

A ação, coordenada pelo delegado Antônia Carlos Ractz Jr., resultou na apreensão de uma grande quantidade de donativos de diversos estados brasileiros. As denúncias, inicialmente enviadas à Promotoria de Justiça de Palmares do Sul, indicam que os investigados se aproveitaram dos cargos que ocupam para desviá-los para residências e oferecer votos em troca de votos para, pelo menos, um dos três suspeitos.

Não descartamos a participação de mais pessoas envolvidas nesse desvio. “São diversos os relatos da população que mencionam diversos vereadores se aproveitando dessa tragédia para fins pessoais e eleitorais”, disse Rockenbach, após as operações.

Foram cumpridos 15 mandados de busca e apreensão nas duas ações. Um dos investigados, o vereador Filipe Lang, foi detido por posse ilegal de arma de fogo. Após ser liberado, ele se defendeu nas redes sociais.

“No sábado, dia 8 de junho, tive um mandado de busca e apreensão na minha casa, ainda relacionada à operação que o nosso município está sofrendo, junto à prefeitura municipal, sobre possíveis irregularidades na distribuição de cestas de alimento. Estiveram na minha casa, procuraram e não acharam absolutamente nada vinculado a irregularidade na distribuição de cestas de alimento”, disse Lang.  “Apenas acharam um revólver do ano de 1945, que meu avô, há três anos atrás, me deixou de presente antes de morrer. Infelizmente, foram noticiadas informações falsas.”

O Gaeco apura crimes de apropriação indébita, peculato e associação criminosa. Os promotores do Ministério Público do Estado recusaram-se a fornecer mais informações sobre as investigações. A reportagem ainda não teve acesso às defesas dos outros investigados.

Centena de produtos apreendidos

Os investigadores do Gaeco descobriram um esquema de desvio de doações que a Defesa Civil do Estado do RS repassava ao município de Barra do Ribeiro. Segundo a promotoria, os produtos foram entregues indevidamente a uma entidade ligada a um pré-candidato às próximas eleições municipais. Três homens foram alvos de mandados de busca e apreensão no dia 23 de maio.

A operação ocorreu no local onde os produtos roubados estavam armazenados e na residência de dois suspeitos. Além da apreensão de diversos produtos, também foram coletados documentos, celulares e mídias eletrônicas que permitirão apurar o desvio de doações e, segundo o Ministério Público, auxiliarão nas investigações, que continuarão.

O Gaeco também investiga o desvio de doações direcionadas à cidade de Eldorado do Sul, uma das mais afetadas pela maior tragédia climática já enfrentada pelo estado. De acordo com as investigações, os donativos eram entregues apenas para contemplar futuros eleitores dos investigados. Os três suspeitos são membros da Defesa Civil municipal, sendo dois deles potenciais candidatos às próximas eleições.

Na ocasião, foram cumpridos nove mandados de busca e apreensão na prefeitura da cidade, em depósitos e nas casas dos três investigados. A gravidade do caso e os fortes indícios encontrados levaram o Ministério Público estadual a convocar uma reunião, com a presença de representantes da prefeitura de Eldorado do Sul, para solicitar a intervenção do Exército Brasileiro na entrega de doações às vítimas da enchente no município.

No período compreendido entre os dias 19 e 26 de maio, o Gaeco realizou operações de busca e apreensão em um depósito pertencente a uma ONG do município de Cachoeirinha e encontrou indícios de irregularidades.

Os documentos, aparelhos celulares e mídias foram apreendidos e os promotores iniciaram uma investigação que apontou uma “ação criminosa motivada por objetivos políticos”. Os promotores investigam três suspeitos. Dois dias antes da ação, o Gaeco recebeu uma denúncia a respeito da irregularidade e flagrou uma carreta que transportava donativos de outro estado sendo descarregada em um depósito que não era um ponto de coleta oficial.

“Foram detectados fortes indicativos da apropriação indevida pelos suspeitos, que têm envolvimento com a política no município”, informou o MP-RS. As investigações estão em andamento.

Mortos e desaparecidos

Até o momento, 175 mortes foram causadas pelas chuvas. Duas das vítimas foram encontradas nesta segunda-feira. Há, pelo menos, 38 pessoas desaparecidas. O estado estima que 2,38 milhões de gaúchos, em 478 cidades, foram afetados de alguma forma pela maior tragédia climática que já atingiu o estado.