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Educadores aprovam proibição de celulares em escolas em Anápolis

A influência dos equipamentos eletrônicos no processo de ensino-aprendizagem é fator de debate observado no mundo inteiro. Estudos realizados por organismos e instituições especializadas resultam na constatação de que o excessivo de celular na sala de aula atrapalha o desempenho de alunos. Alguns estados brasileiros já proibiram o uso do smartphone ou tablet nas escolas, outros ainda não.

Agora o tema é debatido no âmbito da Câmara dos Deputados, que aprovou projeto de lei, na Comissão de Educação, que proíbe o uso de telefone celular e de outros aparelhos eletrônicos portáteis por alunos da educação básica em escolas públicas e particulares, inclusive no recreio e nos intervalos entre as aulas.

O debate na Câmara trata de um substitutivo do relator da matéria, o deputado Diego Garcia (Republicanos-PR). Além de proibir o uso, o texto proíbe também o porte de celular por alunos da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental, como forma de proteger a criança de até 10 anos de idade de possíveis abusos.

A proposta autoriza, por outro lado, o uso de celular em sala de aula para fins estritamente pedagógicos, em todos os anos da educação básica. Permite ainda o uso para fins de acessibilidade, inclusão e condições médicas.

Após a repercussão do decreto de proibição de celulares em instituições de ensino do estado do Rio de Janeiro, para evitar o problema, algumas escolas privadas e públicas do estado de São Paulo restringiram o acesso dos celulares às redes sociais, jogos e aplicativos de streaming por meio do wifi liberado pelas escolas. Isso já era imposto desde março do ano passado pela Secretaria Estadual de Educação. Porém, algumas escolas adotaram apenas este ano.

O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), principal avaliação mundial da educação, apontou, em estudo de 2022, que o uso excessivo de celular na sala de aula atrapalha o desempenho de alunos do Brasil e de outros países. Oito em cada 10 alunos brasileiros de 15 anos disseram que se distraem com o uso de celulares nas aulas de matemática.

Outros países como Argentina, Canadá, Chile, Finlândia, Nova Zelândia e Uruguai registraram o mesmo indicador. Na média dos países da OCDE, são seis estudantes a cada 10 que se distraem com os aparelhos digitais. No Japão, que lidera as primeiras posições no ranking geral, 18% dos estudantes disseram perder a concentração com celulares.

A Unesco, a agência de educação, ciência e cultura da Organização das Nações Unidas (ONU), afirmou que há evidências de que o uso excessivo de telefones celulares está relacionado a um desempenho educacional reduzido e que altos níveis de tempo de tela têm um efeito negativo na estabilidade emocional das crianças.

Vereadores querem presença de especialistas e famílias no debate

Os professores Alex de Araújo Martins e Marcos Antônio de Carvalho Rosa, que exercem mandato de vereador na Câmara de Anápolis, têm em comum a aprovação aos limites do uso e porte de celulares nas salas de aula dos ensinos infantil e básico. E, também, a necessidade de que esse debate passe pela orientação dos especialistas, o acompanhamento das famílias e a garantia de que a tecnologia seja utilizada de forma moderada e por meio dos professores de forma assistida.

Alex Martins, cientista social, bacharel em Direito e especialista em História, ex-secretário municipal de Educação, afirma que não se pode ficar alheio às transformações normais que acontecem no meio social. Mas, afirma o professor, é preciso seguir modelos, padrões e doutrinar o uso dessas ferramentas tecnológicas.

Por meio do celular, explica, a pessoa faz qualquer pesquisa, informação, “e às vezes essa pesquisa faz parte do contexto de ambiente de sala de aula”. Lembra que a própria sala de aula tem outras tecnologias, a lousa digital, às vezes o uso de um computador, que faz esse tipo de pesquisa.

“A preocupação é sobretudo na relação de pais, mestres, da família e escola, nesse uso não moderado dessas crianças sobre o celular. Então, sou a favor da proibição, mas que essa proibição aconteça não só dentro do ambiente escolar, mas também em casa, digo assistida”, ressalta.
Alex Martins entende que, de um modo geral, os professores dizem que quando o uso do celular é dado sem nenhum tipo de controle ou moderação no ambiente de sala, existe muita dispersão, o processo de ensino e aprendizagem caem, e é natural da criança buscar as perguntas, o questionamento, a curiosidade. “Quando isso é moderado e feito com os professores de forma assistida, não vejo problema nenhum, mas a proibição é necessária”, disse.

O uso do aparelho celular, disse Alex Martins, enquanto processo educacional de pesquisa, é necessário, “mas o uso desse aparelho em sala de aula, que não seja nesse sentido, quando existe muita dispersão e o processo da aprendizagem tem uma queda considerável, porque você deixa de socializar tarefas, você deixa de trabalhar em grupo, você deixa de dar atenção de uma comunicação verbal presencial entre alunos para fazer isso através de um aparelho, isso é muito ruim”.

A pandemia da Covid-19 provocou, na visão do professor, uma dificuldade de comunicação, com a impossibilidade do contato físico, “fez com que cada um criasse sua ilha, bolhas para permanecer a comunicação, ainda bem que nós temos a tecnologia pra isso”. Alex Martins explica que não fala apenas do estudante – vitimado em relação à Covid-19, “mas esperávamos um outro comportamento após a Covid, e não isso não houve”.

Essa condição, entende, colaborou para o individualismo.  Para Alex, o fato de retirar o telefone da criança, no infantil e no ensino básico, não significa que a tecnologia não seja aproveitada pela escola ou pelo professor, para o desenvolvimento do estudante na sala de aula. Afirma que esse comportamento na sala de aula “tem que se espelhar no comportamento de sociedade, sobretudo família.

ESPECIALISTAS

O psicólogo, atuante na formação de professores e no trabalho com adolescentes, escritor e membro da União Literária Anapolina, vereador Marcos Carvalho, que também é vereador, defende que os especialistas sejam trazidos para a discussão. “De um tempo para cá, todo mundo quer opinar sobre educação, e da mesma forma que os professores não opinam sobre medicina, sobre engenharia ou sobre o direito, nós precisamos que os especialistas em educação construam essa discussão”, cobrou.

Segundo ele é notório que as tecnologias e seus avanços modificaram os padrões de comportamento, “e isso ligado até a questões de saúde mental, de ansiedade, de hiperatividade, de atenção”. Mas defende uma análise detida dessas questões. Para ele, a utilização desses equipamentos pode ser feita de maneira pedagógica.

“Muitas pesquisas no mundo inteiro têm apontado que a retirada desses elementos tem favorecido o processo de aprendizagem, então, à medida que a gente reduz a utilização dessas tecnologias no ensino infantil e na educação básica, nós acabamos consolidando esse ambiente mais propenso para a concentração, para a atenção, que favorecem a aprendizagem”, informou.

Um outro lado dessa questão deve ser observado, entende Marcos Carvalho, já que muitas vezes os alunos se utilizam de celulares, por exemplo, para a comunicação com os pais, acionar um transporte ou pagar o lanche em aplicativos. “Por isso nós precisamos construir em parceria com alunos, pais e comunidade, o melhor acordo. A proibição por si só, não deixando entrar o celular na escola, não resolve todos os problemas. Nós precisamos construir uma proposta pedagógica que se justifique em evidências, que favoreça e amplie um ambiente propício para aprendizagem”, ressaltou.

A utilização ou não do aparelho eletrônico em um outro momento, analisa Marcos, deve ser avaliado pelo professor, “que é o regente que domina a sala de aula”. Segundo ele, há uma diferença entre o aluno portar o aparelho celular ou algum aparelho tecnológico, com o fato de ser utilizado didaticamente pela escola, pelo professor na sala de aula, “quer dizer, precisa talvez separar essas duas coisas”. Ou considerar um ambiente, um laboratório, um espaço para uso pedagógico.

Em relação aos alunos da educação infantil e do ensino fundamental, o entendimento é que eles ainda não têm a maturidade da escolha. Marcos Carvalho explica que há escolas que disponibilizam uma caixinha na entrada, na qual o aluno deixa o celular.  Em outras o celular fica na mochila. “Mas tem escola que o professor faz atividade de produção de áudio e vídeo, de gravação, de pesquisa no próprio celular. Por isso, esse não é um debate simples”, ressalta.

Talvez fosse necessário, pondera Marcos, dar um pouco mais de tempo para um debate mais profundo com a sociedade, com audiências, chamando a comunidade escolar, os professores, os especialistas para opinar a respeito desse assunto antes”, sugeriu o professor.

Juizado cita acordo entre unidades e Secretaria quer escola mediadora

O titular do Juizado da Infância e da Juventude de Anápolis, juiz Carlos José Limongi Sterse, e a secretária municipal de Educação, professora Flávia Fernanda de Souza Silva, também concordam com a proibição do uso individual de celulares por alunos do ensino básico. Limongi, fundador da Associação Cruzada pela Dignidade, entende que “o uso de celular tem um lado positivo e um lado negativo. Com o uso do celular na escola, temos menos interação entre as crianças e adolescentes. Mesmo nos intervalos, eles ficam vidrados no celular ou se estão ainda com o celular durante a aula”, constata o magistrado.

Segundo ele, mensagens chegam em todas as horas e tira a atenção, [provoca] falta de concentração, “e nós temos aqui, em Anápolis, a carta de compromisso já há alguns anos, que a gente já está com ela em vigor, onde já é proibido o uso na escola, a não ser que seja para fazer algum trabalho escolar com a permissão do diretor, do professor”. Mas, explica, tudo feito de forma racional.

Segundo ele, “a vida não é virtual, tem que viver no mundo real e não apenas no mundo virtual”. E avalia que atualmente existem “verdadeiros zumbis, que ficam o tempo todo no celular e isso tem causado grandes malefícios para a saúde mental dessas crianças e adolescentes também”. Carlos Limongi afirma que criança e adolescente têm que brincar, tem que socializar, tem que conviver com as outras pessoas para que convivam bem em sociedade.

Sobre a Carta de Compromissos, o juiz Carlos José Limongi Sterse explica que, todos os anos é realizada uma reunião com a rede, que envolve professores de todas as escolas, diretores, alunos e pais. O resultado é a elaboração da carta, que já é confeccionada há vários anos.

“Foram eles que propuseram as regras, nada imposto pelo Juizado da Infância. Pelo contrário. Dentro dessa carta, uma das coisas que tem é a proibição do uso do celular na escola. Houve só uma permissão, que era quando os professores autorizassem para alguma pesquisa em sala de aula”, conclui o juiz.

USO CONSCIENTE

A inserção da tecnologia dentro das unidades de ensino, analisa a secretária Flávia Fernanda, é benéfica, “desde que usada de forma consciente e monitorada pelos professores e em momentos específicos da aula. Já o uso dos celulares e outros dispositivos eletrônicos com a finalidade de uso particular, deve ser proibido, visando ao pleno desenvolvimento educacional dos estudantes, que têm que estar totalmente focados nas atividades propostas pelos professores”.

É o que pensa sobre o debate quanto à proibição de celulares no ensino infantil e básico a secretária municipal de Educação, Flávia Fernanda de Souza Silva, professora efetiva do município há 21 anos, que atuou como gestora e coordenadora pedagógica e técnica de escolas municipais, além de três anos como diretora de ensino da secretaria.

Segundo ela, o uso de celulares dentro da sala de aula, sem supervisão, “atrai a atenção dos alunos e compromete o engajamento em atividades que estimulam habilidades fundamentais como a leitura, a escrita e o pensamento crítico”. Além disso, ressalta, um dos aspectos essenciais para o desenvolvimento emocional e social das crianças é a convivência direta com outras crianças, o que pode ser dificultado pelo uso de aparelhos em momentos inapropriados.

Flávia Fernanda entende que a mediadora entre assuntos de urgência [contato com os pais, chamar a Uber, entre outros], deve sempre ser a secretaria escolar. Para a segurança do aluno, o cuidado deve ser maior, e o contato dos pais deve ser feito diretamente com a escola. “Quando se diz respeito aos aparelhos celulares para comunicação entre estudantes e família em horário escolar, o uso não é positivo”, afirma.

A secretária municipal de Educação explica que todas as unidades de ensino do município são orientadas e preparadas para fazer essa mediação e sempre atendem prontamente à todas as demandas das famílias. Tanto para o contato quanto para o acompanhamento das crianças até os responsáveis que as buscam.

Segundo ela, a tecnologia aliada à educação é uma ferramenta que veio para ficar, “pois ela tem o poder de dinamizar o processo de ensino-aprendizagem”. Mas, entende, deve ser colocada em prática “de forma responsável e criativa”.

A secretária Flávia Fernanda enumera, no contexto do cuidado dispensado aos alunos da rede, o que considera uma das maiores inovações do processo educacional municipal, o Educa Anápolis. Uma plataforma digital de ensino híbrido, idealizada pelo prefeito Roberto Naves por meio da Secretaria Municipal de Educação.

O programa foi lançado em 2021 com cinco estúdios montados com equipamentos modernos da mais alta tecnologia, com cenários e telas interativas. Com o Educa Anápolis, o ensino já existente na rede chega aos estudantes de uma forma lúdica e dinâmica, potencializando assim a qualidade da Educação no município”, explica a professora.

Na Rede Municipal de Educação, informa a secretária, além do Educa Anápolis, é incentivado o uso consciente da tecnologia por meio de alguns projetos executados em sala de aula e nos ambientes adjacentes à secretaria, todos monitorados de perto pelos professores.

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