
Os jovens até 34 anos de idade representam apenas 12% dos quadros dos partidos políticos em Anápolis. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que, das mais de 25 mil pessoas ligadas a agremiações partidárias na cidade, somente 3.040 têm entre 17 e 34 anos de idade. Por outro lado, o grupo com 70 anos ou mais chega a 3.524 dentro das legendas.
O cenário é totalmente oposto ao que se encontra na sociedade anapolina. De acordo com o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o grupo etário com maior número de pessoas concentra-se justamente entre 20 e 34 anos de idade.
Este, porém, não é o único grupo sub-representado dentro dos partidos. As mulheres, que são 53% do eleitorado no município, são apenas 47% nas discussões partidárias, em mais um retrato do afastamento da política institucional da população real.
Por faixas etárias, aquela com maior representação dentro dos partidos – e de maior poder – é a de 45 a 59 anos. Conforme o TSE, em Anápolis, 8.658 pessoas, ou seja, 34% do total de filiados, está neste grupo. Esta idade também é a que apresenta maior número de ocupantes de cargos eletivos da cidade, no Executivo ou Legislativo.
Para a cientista política Ludmila Rosa, a ausência dos jovens na política partidária é reflexo de uma cultura ainda analógica dentro das agremiações. Ela destaca que os moldes tradicionais seguidos pelas legendas causam desinteresse do público jovem.
“O partido político está sedimentado em modalidades de assembleia que são próprias de outras gerações. Com o incremento de novas tecnologias, esses partidos ficaram deslocados desse novo conteúdo. É muito comum ouvir dessa geração que não há o interesse por política porque só tem os velhinhos de cabeça branca. Há um questionamento sobre o distanciamento geracional”, avalia.
Rosa aponta ainda que a nova geração se incomoda com o itinerário da maioria dos partidos, que ainda “reproduz as velhas capitanias hereditárias.” “Outras gerações não se sentiam incomodados o suficiente com esse estado de coisas a ponto de abandonar. A nova geração se sente incomodada a esse ponto de abandonar. Eles querem chegar, poder falar, atuar e ter relevância com muita pressa. São elementos intrínsecos da nova geração”, argumenta.
Guilherme Carvalho, professor de Ciência Política, lembra que este fenômeno é nacional. Ele cita que o Brasil teve dois grandes ‘boom’ de filiações. O primeiro com as ‘Diretas Já’ e o segundo no movimento dos Caras Pintadas, durante o impeachment de Fernando Collor. Em 2013, aponta, o país viveu o que ele chama de ‘boom reverso’, com o êxodo de militantes partidários pela desilusão.
“A política partidária está envelhecida. Ela foi terceirizada para uma burocracia partidária que defende os interesses de uma mesma elite partidária que se consolidou no poder ao longo de anos e anos”, aponta. Carvalho argumenta que, sem abertura aos jovens, não há alternância de poder. “Isso se aplica mesmo em partidos mais consolidados, como PT e MDB. Significa dizer que os jovens veem uma inibição de fazer política dentro dos partidos”, completa.
No caso das mulheres, Rosa cita ainda a inefetividade da legislação que tenta ampliar a participação como um dos obstáculos. O Brasil tem leis para garantir espaço às mulheres nos partidos e nos espaços de poder. Contudo, para a cientista política, há uma leniência do Judiciário e do Ministério Público.
“Existem ferramentas jurídicas colocadas e não estão sendo cumpridas pelos partidos e até pelos órgãos julgadores, como Judiciário e MP. Os partidos políticos assumem o risco (de fraudes nas cotas), pois o Judiciário não aplica a lei. Há de se ter uma posição mais firme dos órgãos de controle”, destaca.
Carvalho, por sua vez, lembra ainda que as mulheres que hoje estão na política, na maioria das vezes, tiveram como padrinho político ou fiador algum homem que já estivesse estabelecido nos espaços de poder.
“Na hora da definição das candidaturas, as que competem são as que têm o apoio do marido, do pai, do irmão ou de algum homem já envolvido na política partidária. Há barreiras na inserção das mulheres. Elas também acabam tendo pouco acesso a recursos e discussão, o que desincentiva a discussão na política partidária, que é a que tem legitimidade institucional”, argumentou.
Neste cenário, de acordo com os analistas, a sociedade produz uma “democracia desequilibrada e que não abarca mulheres e outras minorias representativas.” Para Ludmila Rosa, a quadra não é alvissareira. “Se a gente aprofunda esse distanciamento da política com a população, o resultado é mais distanciamento, por óbvio. É um ciclo de exclusão e de deslocamento”, conclui.
Digitalização da política
Com o avanço das tecnologias, muito do debate político migrou das salas das executivas das legendas para as redes sociais. Para Carvalho, diante da falta de espaço nas agremiações, foi neste local que a nova geração conseguiu se encontrar para ter uma voz que faça as demandas ecoarem de algum modo.
“Elas são uma alternativa, já que no interior dos partidos as tais alas jovens não funcionam. Na prática, na hora das decisões e distribuição dos recursos, isso acaba parando na mão da mesma burocracia da elite partidária”, afirma.
Ludmila Rosa chama atenção para o fato de que, embora o mundo digital sirva como um expositor de demandas e anseios, é a política institucional que detém o poder de causar mudanças efetivas na realidade de uma sociedade. “O lugar de transformação efetiva ainda é a política partidária, muito mais que as redes sociais”, explica.
“Há uma dificuldade de tornar a política atrativa para essa juventude, que anda interessada em outras questões ou se se interessam por questões coletivas, talvez seja num outro nível e não entendem que os partidos políticos podem escoar essas demandas”, completa.
Ela ainda pontua que sem participação efetiva desses grupos na política, os interesses do ‘caciquismo’ seguirão hegemônicos. “Se você tem uma política operada por homens com mais de 40 anos, de renda alta, é até uma ingenuidade pensar que a preocupação de proa dessas pessoas com esses atributos vão ser esses grupos. Não faz muito sentido. Cada grupo prioriza o que lhe é mais importante, mais intrínseco”, afirma.
Falta de protagonismo afasta
Outro grande gargalo é a falta de protagonismo. Os especialistas ouvidos pela reportagem ressaltam que nenhum grupo, sobretudo os mais jovens, aceitam ser coadjuvantes. O problema, na análise dos cientistas políticas, é que é somente este papel que é oferecido a grupos minoritários nas agremiações.
“Esses grupos só estarão nos partidos, ou em quaisquer espaços de representação, se de fato se sentirem participantes efetivamente. Há uma demanda reprimida de protagonismo desses grupos. O desafio não é só trazer numericamente. O desafio é trazer e saber o que fazer com eles, ouvir, colocar essas jovens nas assembleias de discussões e decisões dos grandes temas partidários. Se não houver esse entendimento, eu me atrevo a dizer que será muito difícil trazer e manter essas minorias sociais”, avalia Rosa. “Para isso, precisamos acabar com o caciquismo que hoje impera”, completa.
Descrédito
Suplente de vereador mais jovem de Anápolis, Samuel Mendes tem 21 anos de idade e disputou a eleição aos 18, em 2020, pelo Republicanos. Ele ganhou espaço na política a partir da convivência com a vereadora Cleide Hilário, então presidente municipal da legenda, que o convidou para integrar as fileiras da legenda. O rapaz nunca escondeu o desejo de defender a bandeira da juventude, mas relata que, pela idade, lutou contra o descrédito.
“Essa foi minha principal dificuldade. Eles te veem como só mais um jovenzinho. Ouvi várias gracinhas quando entrei. Amigos meus que têm vontade me falam a mesma coisa, que têm medo de serem usados pelos mais velhos”, revelou.
Apesar do desempenho na eleição passada, Mendes ainda diz que não é convidado a integrar as mesas de debate e faz um apelo aos jovens. “Precisamos ter candidaturas da juventude, trazê-la para a política. Há uma barreira que nos afasta”, avaliou. “A gente muitas vezes é massa de manobra. Essa invisibilidade é que me fez despertar. Podem ter mil vereadores com discurso de que representam a juventude, mas não sentem as nossas angústias na pele e, assim, não podem propor nada que nos agregue de verdade.”
Matéria: DM Anápolis/