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Goiás tem maior aumento de casos de racismo no Brasil, diz pesquisa

Números se referem ao ano passado, e advogada ressalta importância da conscientização e formalização da denúncia

Goiás foi o estado brasileiro com maior aumento de casos registrados de racismo de 2021 para 2022, um crescimento de 246%. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que o número saltou de 51 para 179, em relação ao crime de injúria racial a alta foi de 48%, de 576 para 865.

Em janeiro deste ano, durante a cerimônia de posse de Anielle Franco à frente do Ministério da Igualdade Racial, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 14.532/2023, que equipara o crime de injúria racial ao de racismo. Agora, ambos são inafiançáveis e imprescritíveis, além de diversas novas tipificações.

Advogada, pós-graduada em direito constitucional, direito civil e processo civil e mestranda em direitos humanos, Kenny Oliveira observa que o aumento de denúncias em Goiás evidencia o racismo estrutural no Brasil que, segundo ela, sempre existiu, mas foi negligenciado pelas instituições que sustentam o Estado.

“O Anuário traz dados reveladores, que tem sido de grande importância, pois lança luz ao debate sobre as violências que os grupos marginalizados vêm sofrendo no país. Observar o aumento na variação de casos de denúncias de racismo em Goiás é primordial, sabemos que o racismo no Brasil sempre existiu, o que devemos entender com os dados trazidos pelo Anuário é que se tratam de denúncias”, afirmou ao DM Anápolis.

A pesquisadora ressalta o registro de denúncias formais pois, segundo ela, se trata do encorajamento, fruto da luta histórica do movimento negro brasileiro. “Isso tem surtido grandes efeitos no país, como a aprovação de leis que visam combater o racismo, bem como o incentivo de denúncias formais”, afirmou.

Em Goiás, a história se assemelha com o restante do país, com um movimento cada vez mais articulado e crescente entre jovens e adultos. Entre outros motivos que podem ter levado a crescente de casos de registros, a advogada destaca o aumento da exposição de intolerância religiosa e o cenário político atual.

“O que de fato é possível afirmar é que tem tido um aumento de letramento racial, logo as pessoas vêm se conscientizando e denunciando formalmente os episódios de racismo e injúria racial, que sempre existiram no Brasil, pois este é um país racista. O que tem mudado é a atitude das vítimas”, reforçou.

Além disso, Kenny destaca que Goiás é um estado extremamente violento para grupos afastados do domínio político e econômico, como mulheres, negros e pessoas LGBTQIAP+. A saída viável, assim como para muitos problemas básicos do Brasil, é a educação.

“Isso é reflexo do processo histórico e político em que se construiu o estado de Goiás. É necessário combatermos essa situação e isso só é possível com a conscientização das pessoas. Precisamos de uma educação inclusiva, antirracista e pautada no respeito à diversidade. Goiás é um estado plural, assim como todo o Brasil, precisamos urgente de letramento racial nas instituições públicas e privadas, nas empresas, nas escolas e até mesmo nas igrejas”, sugeriu.

Como exemplo, a pesquisadora cita o projeto de Lei que visa instituir o “Pacto Goiás Sem Racismo” no estado. De autoria do Governo Estadual, segue em discussão e votação na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (Alego).

“Esperamos, esperançosos, que a iniciativa seja aprovada e que traga, de fato, um comitê efetivo de enfrentamento às práticas racistas e com promoção de políticas públicas efetivas de conscientização social”, completou.

Subnotificação 

A subnotificação de denúncias, ou até mesmo a ausência de dados, como ocorre em estados como São Paulo, são uma grande preocupação para os movimentos sociais racializados. Esse problema, para Kenny, é um dos reflexos do racismo institucional brasileiro.

“Não é uma prioridade do sistema e de muitas autoridades o fazer cumprir as leis que protegem a integridade e direitos de pessoas negras. Ainda há muito despreparo de autoridades policiais, o que dificulta o cumprimento da lei, pois, muitas vezes, não há o devido cuidado com os inquéritos de crimes de racismo e injúria racial”, criticou.

Segundo ela, muitas pessoas deixam de denunciar esse tipo de crime por desacreditarem no sistema de justiça criminal no Brasil e sugere que o Poder Público promova ações de conscientização, não só para a população, mas também para as autoridades à frente dos inquéritos e processos criminais.

Políticas públicas 

Até a promulgação da Lei 14.532/202, o crime de injúria racial representava uma possibilidade de aplicação de penas mais “brandas”, agora, equiparado ao racismo, torna-se inafiançável e imprescritível, podendo ser julgado a qualquer tempo.

“Antes o crime de injúria racial tinha penas brandas, o que desesperançava a vítima a fazer a denúncia formal. Agora, com a equiparação, acredito que as denúncias devem aumentar e que logo mais veremos esses resultados no Anuário de 2024, que trará os dados de denúncias de 2023”, projetou Kenny.

“Concomitantemente, esperamos que a quantidade de crimes de injúria racial caia em seguida, devido à previsão de aplicação de penas maiores e da imprescritibilidade, o que deve desencorajar o crime”, concluiu.

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